sexta-feira, 13 de maio de 2016

Como andam os Cursos de Graduação em Agroecologia? Reflexão de uma graduanda em agroecologia da UEPB!

Em reunião da RENDA/Neas Pb no Seminário de Pesquisa Participativa/Especialização em Agroecologia/Residência Agrária organizada pelo NERA/UEPB, a estudante do curso de Graduação em Agroecologia Lua leu carta escrita em março de 2015. Primeiramente a carta foi dirigida para  professoras e professores do curso, carta essa que não havia recebido permissão para ser colada na parede do campus... e somente agora foi lida, mais de um ano depois. Referendamos aqui como um documento! Documento esse cheio de vida, com palavras regadas de vivência, inquietações e indagações, elementos chave para a construção do conhecimento!

[...]

Sobre Ser Radical

Momento de leitura da carta para o Curso de Agroecologia UEPB
Não sei se houve, um professor sequer que, nas primeiras semanas de aula, não tenha usado a palavra 'radical'.
 "... mas não devemos ser radicais..." Eles dizem.
Parece que para o senso comum, 'radical' é uma qualidade negativa. E no discurso comum, radical é sempre o outro, e nunca eu mesmo.
Lançando mão do significado comum para essa palavra, a mim me parece que a radicalidade é uma questão completamente relativa.
As minhas escolhas na vida e as minhas opiniões só podem parecer radicais a quem tem escolhas e opiniões diferentes das minhas. Já aos que compartilham meus pontos de vista, as minhas ideias são apenas sensatas.
Não deixo de observar também, que no contexto coletivo da sociedade, radical é quase sempre uma qualidade da minoria.
Os pais que alimentam seus filhos com alimentos industrializados potencialmente cancerígenos não são radicais. Radical é a família que não admite produtos Nestlé em sua mesa.
O sujeito urbanóide que passa 2 horas preso no trânsito, respirando um ar poluído, para chegar ao seu emprego infeliz de 40 horas semanais, é apenas um cara comum. O sujeito bicho-grilo fugido da capital pra viver no meio do mato, plantando seu próprio alimento e tomando banho de cachoeira, é um cara muito radical.
A parturiente guiada cegamente a um parto hospitalar convencional, correndo risco de mais de 50% de ser submetida a uma cirurgia desnecessária, 25% de chance de sofrer violência obstétrica, quase 100% de chance de ser submetida a algum procedimento invasivo e não ter o seu protagonismo respeitado, nunca pode ser chamada de radical. Radical é a mulher que escolhe parir em casa.
O grande latifundiário que enche o bolso de sangue indígena, envenena o solo, esgota a água, derruba a floresta, aniquila a biodiversidade, explora os trabalhadores... é só um rico invejado. Radical é o MST.
Não sei se os calouros de agronomia, ciências agrárias ou engenharia agrícola escutam tantas vezes esse termo quanto eu, estudante iniciante de agroecologia.
Agora, abrindo mão do significado dado pelo senso comum e buscando o significado real da palavra, descobrimos que 'radical' vem de 'raiz'. Logo, facilmente interpretamos que radical é aquele que busca a raiz, enxerga a raiz, ou resolve um problema cortando-o pela raiz.
Desde a Revolução Verde a fome continuou aumentando, chegando hoje a mais de 1 bilhão de pessoas no mundo todo.
Chamamos de agricultura convencional essa que tem exaurido o solo, a água, a biodiversidade e as pessoas no mundo todo. 
Mas por que convencional? Se esse modelo surgiu na metade do século XX e nem sequer atingiu os primeiros 100 anos de idade? Enquanto que os sistemas agroecológicos (mesmo que ainda não existisse esse nome) alimentaram a humanidade ao longo de pelo menos 10 mil anos. 
O agronegócio se alastrou pelo mundo tão rapidamente, não porque fosse mais eficiente que os modelos milenares, mas porque ele aplica não somente as tecnologias originadas nas grandes guerras mundiais, mas também a mentalidade da guerra.
Mentalidade de guerra é enxergar o outro como inimigo, alguém a ser destruído, conquistado ou escravizado.
Os fungos, bactérias, protozoários, insetos e outros animais devem ser destruídos. A terra deve ser conquistada. As pessoas devem ser escravizadas. A natureza e tudo o que dela faz parte, incluindo os animais humanos, são inimigos a serem dominados.
E da mesma forma que só se convence um povo a entrar em guerra, utilizando estratégias muito eficientes de propaganda, o agronegócio só cresce através de muita propaganda.
Graças à grandes magos da publicidade, manipuladores do inconsciente, a agricultura ecológica, sustentável, familiar, milenar, criativa, saudável e produtiva, em poucos anos, deixou de ser convencional e passou a ser alternativa, ou retrógrada, primitiva, pobre, ineficiente... Enquanto que o novo câncer sócio-econômico-ambiental da agricultura de guerra se tornou o convencional.
Digo câncer, porque se somos a Natureza uma coisa só, mas pensamos que somos divididos, nos comportamos de maneira autodestrutiva. Como um câncer.
A Agroecologia é a ciência que nos aponta as raízes desse câncer.
Não sei quem foi o primeiro a juntar 'agro' com 'ecologia', nem sei se houve alguém que tenha escrito algum tratado oficial enumerando os princípios da Agroecologia.
Mas sei que a Agroecologia começou a florescer em mim, não através de estudos do pensamento de algum filósofo ou cientista do final do último século; mas sim, através da absorção, desde a minha primeira infância, das mensagens gritadas pela Natureza.
Vejo a Agroecologia como uma ciência comum a todos os homens e mulheres do planeta que procuram desenvolver a capacidade de sentir o que a Natureza diz. Sejam estes homens e mulheres, doutores ou analfabetos.
Escuto a Natureza me dizer "Quem pensa que a mim submete, mais e mais será a mim submetido."
Escuto a Natureza me dizer " A competição é uma atitude autodestrutiva."
Escuto a Natureza me dizer "A cooperação é a melhor qualidade adaptativa que um indivíduo pode ter."
Escuto a Natureza me dizer "Não há homens donos de terra; nem homens donos de outros homens; nem homens ou mulheres, maiores ou menores; nem homens donos de mulheres. Quem vive em mim nasceu para amar livremente e não para possuir."
Escuto a Natureza me dizer "Nos diversos ecossistemas há espaço para todos os seres dotados do dom do ciclo da vida-morte-e-vida. E se confiares em mim, nada te faltará."
Escuto a Natureza me dizer "Não és tu quem precisa de um movimento de humanos sem terra, sou eu quem faço o movimento da terra sem humanos. Tragam-me de volta o Homo sapiens ou Adão e Eva! Pois tu és uma espécie dispersora de sementes, e tu és uma espécie manifestadora da autoconsciência do Universo."
Nossa, como eu escrevo de forma exagerada! E quanto poder eu me rogo, ao ponto de até querer falar em nome da Natureza!
Sim, sim. Podem dizer. Eu sou mesmo uma menina muito radical. Assim como eu acho que a Agroecologia é radical por definição.
Pois ser radical não é ser desrespeitoso. Ser radical não é ser violento. Ser radical não é ser sectário.
E falando em sectário...
Numa das pausas que fiz durante a escrita desse texto, abri o meu mais recente livro adquirido, Pedagogia do Oprimido. E já nas Primeiras Palavras, Paulo Freire, como se em 1968 já se sentisse solidário ao meu conflito, me vem com essa:

"[...]
É que a sectarização é sempre castradora, pelo fanatismo de que se nutre. A radicalização, pelo contrário, é sempre criadora, pela criticidade que a alimenta.
Enquanto a sectarização é mítica, por isso alienante, a radicalização é crítica, por isso libertadora.
Libertadora porque, implicando o enraizamento que os homens fazem na opção que fizeram, os engaja cada vez mais no esforço de transformação da realidade concreta, objetiva.
[...]

O radical, comprometido com a libertação dos homens, não se deixa prender em "círculos de segurança", nos quais aprisione também a realidade. Tão mais radical quanto mais se inscreve nesta realidade para, conhecendo-a melhor, melhor poder transformá-la.
Não teme enfrentar, não teme ouvir, não teme o desvelamento do mundo. Não teme o encontro com o povo. Não teme o diálogo com ele, de que resulta o crescente saber de ambos. Não se sente dono do tempo, nem dono dos homens, nem libertador dos oprimidos. Com eles se compromete, dentro do tempo, para com eles lutar. Se a sectarização, como afirmamos, é o próprio do reacionário, a radicalização é o próprio do revolucionário."

Então, irmãs e irmãos, só posso concluir dizendo que radical pra mim é elogio.

Gratidão.

Lua Muliterno
Núcleo de Extensão Rural Agroecológica (NERA) UEPB

2 comentários:

  1. Parabéns Lua! Continuemos pelos caminhos da Agroecologia, estamos juntos!

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  2. Um texto lúcido e poético! Cheio de Vida! Parabéns!!!

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